terça-feira, 19 de março de 2013

Guarda meus Fios e Agulhas - Emily Dickinson

Guarda meus Fios e Agulhas -
Eu volto a coser
Quando os Pássaros voltarem -
Melhor - há de ser -

Fez-me errar pontos - a vista -
Com a mente sã
Da mais garbosa Rainha
Serei Artesã -

Bainha - Mulher nenhuma
Tão Delgada faz -
Debrum - de sutis nervuras -
Como Ponto-atrás -

Deixa-me a Agulha no risco -
Onde eu a enfiei -
Quando estiver com saúde
Mais pontos farei -

Até lá - eu penso em sonhos
Que estou a cerzir -
Deixa comigo os meus Fios -
Quando eu dormir -

– Emily Dickinson, in 'Alguns Poemas'; Tradução: José Lira.

domingo, 4 de novembro de 2012

Escombros

Apesar de imaginar Castelos e Mares -
continua a tentar juntar os Escombros
de uma antiga construção e brincar na Lama.

Fica imunda de Lembranças
e corta-se nos Ferros e Cacos de Vidro.
Mas o prazer excruciante que a acomete -
quase compensa-lhe a dor
de não ter mais o abrigo.

É como se - todos os dias -
fizesse um Castelo de Areia -
só pra ver a Onda levar.

Assim - aos poucos - persuade a si mesma
De que não há Escolha -
A não ser deixar a Praia; afastar-se do Mar.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Leitura

A Leitura é um ato cabalístico, que põe medo em quem não a conhece, e ao longo do tempo foi reprimida por seu poder. Por sorte, sempre houve quem soubesse como usá-la, enquanto outros eram atraídos pela beleza das imagens esculpidas. Afinal, é mais fácil amar as Cores – são moldáveis; ajustam-se facilmente ao gosto dos olhos. Enquanto as Palavras são ariscas – barulhosas; difíceis de manusear. É preciso tato para lidar com elas. Podem parecer sempre as mesmas, mas variam em peso e formato – sendo capazes de atingir os mais variados graus de significância. Seu peso difere com o sentimento e o formato não passa de máscara – para amenizar o impacto de sua verdadeira face ou dar uma prévia representação daquilo que ela carrega. 
Entristece-me ver o que o mundo faz com elas. Agitam-nas por aí a torto e a direito, contaminando-as com temas infetos. E o que posso fazer? 
Nada. A não ser, continuar aprendendo, continuar convivendo com elas. Elas e a insanidade do mundo – a sua falta de tato. E talvez, deixar que saibam como as vejo – as Palavras: um inimigo de respeito, com o qual eu sei negociar. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Desatino

Quem seria louco o bastante 
Para sair na chuva 
Assim, sem proteção – 
Sem para-raios? 

Para andar na corda bamba 
Mesmo sem saber – 
Descalço, no alto; 
Sem ter aonde segurar?

Quem seria tão insano 
A ponto de se deixar sangrar 
Por olhos ariscos 
Que devoram almas? 

Quem seria louco o bastante 
Para entregar os lábios 
Para os lábios desse alguém – 
E em seu peito descansar? 

Quem seria assim desatinado 
A ponto de deixar as mãos 
Perderem-se apaixonadas 
Naquele cabelo desarrumado? 

Quem seria tão insano 
Para enroscar-se em abraços, 
E sem embaraço – 
Entregar-se nos braços de alguém assim? 

Seria um apaixonado – 
Um pobre desavisado; 
Um louco desatinado 
Que ante um sorriso deixou-se cair. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Tormenta

- O que quer?
- Tormenta. A paz excessiva que tenho me sufoca!
- E que tipo de tormento deseja?
- O mais puro deles: amar. Não há nada que instigue, avive e angustie tanto quanto amar. Querer cuidar de alguém. Tê-lo só para si (e pensar em assassinar - com requintes de crueldade - cada infame partícula que dele se aproximar). Penetrá-lo com olhos quentes; fundir-se nele a cada toque. Tê-lo. Desejando que ele a queira. Esperando que a tenha. Tê-lo - mesmo que só, em pensamento.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Incidente

Pensei em escaquear o sentimento para me livrar dele aos poucos – peça por peça. Mas perdi o jeito de traçar e cruzar as linhas de corte. Assim sendo, dobrei-o e guardei-o num armário trancado à chave, para que não incomodasse ocupando tanto espaço – pois se aberto e estendido por sobre o peito, não escusava um só canto, aquecia até o que não o tocava e dele estava longe.
O coração desordeiro eu segurei com firmeza e levei à canastra. Porém, a diligência era fraca e por pouco deixou-o escapar. Distraída que sou, não o vi esconder-se no quintal e nem percebi quando entrou pela janela. Não fosse o estrondo que fez ao arrombar o pequeno armário no sótão, nem saberia dizer como foi que de repente me vi às voltas com tantas reminiscências.
Ao descer as escadas, parou diante de mim e encarou-me com o semblante determinado que eu bem conhecia. Com calma, desdobrou o sentimento que carregava nas mãos, agitou-o no ar – uma, duas, três vezes – para que se abrisse totalmente e embrulhou-se nele. Deu-me as costas e saiu porta afora – abandonando seu abrigo, deixando-me aflita. Saberá ele como voltar?

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Displicência

Creio que a Displicência 
será sempre meu melhor 
- e mais triste - Disfarce. 
É como fechar os olhos e adormecer. 
Vai ver que assim - dormindo -, 
os olhos não são de ninguém.


Mas ainda tem o Sonho. 
E depois a gente acorda cansado - 
com o mesmo Desejo dantes -,
sem saber como levantar.
Eu bem queria acordar. 
Poderia dar-me a mão?


terça-feira, 22 de maio de 2012

Jugo

A Dúvida - quase Insana - 
Não enobrece a alma. 
A Sede não é parca. 
A língua arde - seca. 

Minto a Cor dos olhos - 
Para não enlouquecer 
- O Silêncio - é meu amigo - 
Sufocante - instigante. 

Mas no conflito - intenso - 
Entre o Medo e o Desejo - 
Perco as forças que me calam. 

E no instante do ataque 
Rogo ao Siso que me salve - 
Enquanto o Jugo se desfaz.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Estratégia

Não se pede permissão para beijar uma mulher. Você a beija. Depois, pede que lhe perdoe a insolência, para que então ela enxergue no falso arrependimento seu real desejo. E assim sendo, se apaixonada, retribua-lhe o gesto – abrindo-lhe os braços e o maior dos sorrisos.

sábado, 21 de abril de 2012

Sonhos

O que fazer com os sonhos?...
Porque me ponha medo
não quer dizer que não os queira realizar!
Muito do que desejo me causa temor.
E nesse caso – quase perdido –
só de pensar – arquejo
maldizendo o caloroso imaginar por isso.
Não pretendo analisar merecimentos.
Talvez, tais delírios, sejam apenas
o que outrora – no inicio – fora fadado a mim!